Por Alisson, PR7GA

O último domingo foi memorável para o radioamadorismo brasileiro. Não só fomos lembrados publicamente pelo presidente Bolsonaro e pelo ministro Marcos Pontes, mas também fomos agraciados com o fim da taxa de 200 reais cobrada pela Anatel para a homologação de cada rádio que o radioamador possua, incluindo aí equipamentos antigos, muitos com mais de 50 anos de fabricação, e também equipamentos artesanais, construídos em casa.

Porém, uma controvérsia logo se instalou. Alguns colegas argumentaram que esta isenção não resolveria o problema do radioamadorismo, pois ainda restaria obrigatória a homologação de todo e qualquer equipamento de rádio utilizada pelo radioamador. A partir de publicações de comentários ao vídeo do ministro Marcos Pontes, um grande QRM passou a poluir uma interessante discussão que poderia acontecer a partir da questão levantada.

Em primeiro lugar, é preciso que se diga, novamente, que este domingo foi histórico para o radioamadorismo brasileiro, como já escrevemos noutro texto deste QTC. Não temos notícia de outra ocasião na qual o radioamadorismo esteve tão em evidência no mais alto escalão do governo federal, e isto é algo que todos nós comemoramos. Parabéns ao nosso presidente e parabéns ao nosso ministro.

Em segundo lugar, sabemos muito pouco sobre o mecanismo pelo qual teremos a isenção da taxa de 200 reais. O que foi anunciado foi o fim da taxa administrativa de 200 reais, mas não sabemos nem como isso será feito, nem se o tema levantado pelos colegas (a continuidade da obrigação de homologação) será mantido. O próprio presidente em seu perfil nas redes sociais lembrou que 174 resoluções da Anatel já foram revogadas este ano, 170 das quais foram anunciadas em Abril por meio do portal institucional da Anatel. Veja a matéria clicando aqui

Dito isto, precisamos entender, de fato, o que está em jogo no âmbito da homologação de equipamentos de radioamador.

Contexto da situação

A legislação brasileira de telecomunicações obriga que qualquer equipamento de telecomunicações, para ser utilizado, tem de ser homologado, isto é, AUTORIZADO pelo órgão regulador, no caso, a Anatel. Porém, até o fim do ano passado, havia uma brecha nessa regra para os radioamadores, pois uma portaria do ano de 1982, editada ainda pelo Dentel, determinava que equipamentos comercializados até 31/12/1982 estariam isentos de homologação. Quem possuísse algum equipamento pré-1982, escapava, bem como os equipamentos artesanais. Todos os demais, deveriam ser devidamente homologados.

Então, no final de 2018, a Anatel emitiu o Ato Normativo 8416, que revogou a antiga portaria do Dentel, tornando obrigatória a homologação não só daqueles equipamentos antigos, mas também de equipamentos que sempre foram isentos: os artesanais, construídos pelo próprio radioamador. Esta medida acendeu uma luz vermelha no meio radioamadorístico.

A LABRE, por meio do Grupo de Defesa Espectral, iniciou diálogo com a Anatel no sentido de demonstrar o absurdo desta obrigação, que no fim das contas iria inviabilizar por completo a prática do radioamadorismo do ponto de vista legal. Foram feitas no início de 2019 ao menos duas reuniões neste sentido, noticiadas pelo QTC da ECRA.

Por fim, em junho deste ano, a Anatel abriu consulta pública para receber sugestões de mudança dos procedimentos para homologação, a já famosa CP21, que recebeu vasta cobertura e divulgação pelo QTC da ECRA e por inúmeros outros colegas e associações pelo Brasil inteiro. 

Ciente da importância do momento e da necessidade de termos não só uma grande quantidade de contribuições por meio de mobilização dos colegas pelo Brasil, mas sobretudo dessas contribuições serem bem embasadas dentro das normas brasileiras e internacionais, a LABRE publicou um texto para servir como base para as contribuições dos radioamadores brasileiros, que foi publicado neste blog com muito sucesso.

O que foi pleiteado na CP21 pela ampla maioria das 1881 contribuições foi, em suma, que os equipamentos antigos e fora de linha, além dos artesanais, sejam ISENTOS de homologação, e que os equipamentos novos sejam homologados por MODELO e não por número de série e ligados ao proprietário, obrigando sempre a repetir o processo a cada vez que o rádio muda de dono.

A polêmica

Chegamos, portanto, ao domingo último e a festejada isenção da taxa de 200 reais. Alguns colegas argumentam que, caindo a taxa, a homologação cai junto, enquanto que outros pensam que são coisas separadas. Como dissemos anteriormente, não há, por enquanto, como ter certeza de nada, pois nada foi publicado de forma oficial e detalhada, portanto, neste aspecto, só podemos aguardar. Sem esquecer, porém, de dar crédito e agradecer ao aceno que nos foi dado, não custa nada repetir.

Por outro lado, é bom que os colegas entendam que o X da questão não é a isenção da taxa de 200 reais. O nosso problema é com o processo de homologação em si, que é, além de extremamente burocrático, terrivelmente injusto e ilógico, pelos seguintes pontos:

1. A homologação é atrelada ao rádio em si e ao seu proprietário. Se eu possuir determinados rádios e homologá-los em meu nome, ao vendê-los, ou doá-los, o novo proprietário precisará repetir todo o processo e homologá-los novamente, pois a homologação que fiz é intransferível.

2. Para homologar, a Anatel aceita como comprovação de que o equipamento atende as normas brasileiras o código de homologação da agência regulatória americana, a FCC. Então, para rádios que o possuam, o processo não será oneroso, apenas burocrático.

3. Porém, para rádios que não possuam o código do FCC, como equipamentos antigos ou mesmo os que operam somente na faixa de HF e 6 metros, incluindo rádios moderníssimos como o IC-7610 por exemplo, é necessário um ensaio laboratorial, pago pelo proprietário do rádio, que ateste por meio de um laudo técnico que aquele equipamento atende todas as especificações para ser operado no serviço de radioamador. Custo deste laudo: alguns milhares de reais.

4. Quanto aos equipamentos artesanais, pelo que foi definido pelo Ato 8416, será necessário também homologar, e consequentemente, passar por todo o processo burocrático e oneroso.

Em suma...

Por estes motivos, a isenção da taxa de 200 reais é um começo, um excelente começo, mas é insuficiente para a resolução do imbróglio que se chama homologação. O que pleiteamos é que o radioamadorismo seja tratado no nosso país de forma diferente, à luz do tratamento privilegiado e específico que o serviço recebe em normas regulatórias estrangeiras até bem mais rígidas que a brasileira. Lá fora, somos vistos de fato até como elemento garantidor de segurança nacional, face a emergências. Nada mais justo que, desta forma, nosso trabalho seja não só reconhecido, mas sobretudo facilitado.

Mais uma vez, insistimos e reconhecemos que o passo dado neste domingo, além de inédito, foi importantíssimo para que o radioamadorismo seja tanto melhor aproveitado pela sociedade quanto melhor desfrutado por nós, radioamadores. Nosso efusivo, sincero e irrestrito MUITO OBRIGADO aos nossos governantes! Sempre poderão contar conosco para o progresso de nosso país. 

Viva o radioamadorismo!

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